quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Variação de gene pode levar a vício em cocaína

Pequena variação em um único gene pode aumentar em 47% o risco de uma pessoa se viciar na droga

Veículo: O Estado de S. Paulo


Uma pequena variação em um único gene pode aumentar em 47% o risco de uma pessoa ficar viciada em cocaína. A descoberta, publicada hoje na revista científica Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS), foi resultado do esforço conjunto de pesquisadores da Alemanha, da Inglaterra e do Brasil.
O primeiro alvo dos cientistas foi o gene CaMK4, presente em camundongos. Eles intuíram que o gene influencia os efeitos comportamentais da droga, pois participa das reações da célula a estímulos externos. Criaram então uma linhagem de roedores sem o gene.
Comparados a cobaias normais, os animais geneticamente modificados apresentavam maior predisposição à dependência e respostas locomotoras mais acentuadas à droga. Para aferir o nível de dependência, os pesquisadores cronometravam quanto tempo os camundongos permaneciam no compartimento onde recebiam injeções de cocaína. Os roedores sem o CaMK4 ficavam ali um tempo consideravelmente maior.

Homem
O próximo passo foi estudar o CAMK4, correspondente humano do gene do camundongo. Obviamente, não existem pessoas sem o CAMK4. Portanto, o método foi diferente do utilizado com as cobaias: os cientistas realizaram um pequeno inventário das principais variantes do gene encontradas na população. Chegaram a três formas muito semelhantes, mas que apresentavam pequenas diferenças em algumas bases.
Como o objetivo era descobrir se uma das variantes aumentava o risco de uma pessoa desenvolver o vício, os cientistas estudaram os genes de 670 usuários de cocaína e compararam com 726 indivíduos que não utilizam a droga. Essa fase da pesquisa ocorreu no Brasil, e foi coordenada por cientistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Descobriram então que a incidência de uma das variantes - a rs919334 - era consideravelmente maior entre os usuários da droga. Segundo os resultados da pesquisa, o risco de se tornar dependente é 47% maior em indivíduos com a alteração genética.

Começo
Jan Rodriguez, principal autor do estudo e pesquisador do Centro Alemão de Pesquisa sobre o Câncer, em Heidelberg, afirma que a descoberta estabelece o CAMK4 como um indicador de vulnerabilidade ao vício da cocaína. "Mas a dependência não é causada por uma variante específica de um único gene: é resultado da interação de vários genes e fatores ambientes", ressalva Rodríguez. Camila Guindalini, co-autora do estudo e pesquisadora do Departamento de Psicobiologia da Unifesp, também aponta que a pesquisa é só o começo. "Precisamos estudar outras amostras populacionais e investigar outros genes", explica.
Rodríguez comemora a criação de um método eficaz para testar os efeitos da dependência de cocaína em cobaias e "traduzir" os resultados para seres humanos. "Será muito útil para estudar outras drogas também", afirma o pesquisador.