quarta-feira, 3 de novembro de 2010

A vida depois do crack: ex-usuários contam como lutam para se manter longe da droga

Família, trabalho, religião e disciplina ajudam a reaver a esperança perdida.

Quatro dependentes químicos que já estiveram nas páginas de Zero Hora relatando o drama do vício em crack foram procurados outra vez para contar como batalham, todos os dias, para se manter em abstinência. Família, trabalho, religião e disciplina fortalecem o período longe da droga e permitem reaver a esperança perdida

Atleta vitorioso em competições de hipismo, o cavaleiro gaúcho Rodrigo Garcia Bass estava habituado a superar obstáculos até encontrar diante de si uma pedra de crack.

Durante dois anos, período em que sua carreira e seu patrimônio definharam, lutou contra a dependência química. Agora, se apronta para dar uma demonstração pública de que a droga não é uma barreira intransponível. Afastado da pedra, no próximo domingo o cavaleiro campeão vai voltar a competir.

A exemplo dele, que figurou em uma reportagem de Zero Hora sobre os malefícios do crack quando ainda enfrentava o vício, outros personagens de matérias anteriores, atualmente em abstinência, foram procurados para relatar como superam diariamente a dependência. O caso de Bass, 31 anos, é emblemático porque ele se firmou como uma das principais estrelas do hipismo gaúcho ao se sagrar uma vez campeão nacional, outra vice-campeão e conquistar três títulos regionais.

Após se mudar para a Bélgica, durante uma década disputou provas internacionais de primeira linha e trabalhou junto a um dos mais respeitados cavaleiros do mundo, o belga Ludo Philippaerts. Há cerca de quatro anos, em visita a familiares no Brasil, decidiu se repatriar. Meses depois, porém, a carreira galopante empacaria diante de um obstáculo imprevisto.

Oferecida por uma mulher, a primeira pedra de crack domou o cavaleiro porto-alegrense e o obrigou a apear dos cavalos – paixão familiar cultivada desde a infância. A fissura provocada pelo tóxico o levou a perder horários e compromissos, afrouxar os treinos e, por fim, abandonar as competições. Em uma noite, chegava a consumir 60 pedras compradas por cerca de R$ 300. Como resultado, o patrimônio acumulado durante a temporada europeia virou fumaça. Vendeu por uma ninharia até o equipamento de cavaleiro, como uma sela de 3 mil euros.

Internou-se uma vez em São Paulo, onde morava, e outras duas em Porto Alegre, para onde se transferiu em uma tentativa desesperada de mudar de ares. Depois de duas recaídas, concluiu há quatro meses a última e bem-sucedida internação em uma fazenda terapêutica, onde permaneceu em abstinência por outros nove meses. O sofrimento de sua mãe e a vontade de retomar as rédeas serviram de estímulo ao cavaleiro, que cumpriu à risca o tratamento. Desde sua liberação da fazenda, também adotou uma nova rotina.

– Levo uma vida regrada. Acordo às 6h, faço academia, vou trabalhar, tenho duas reuniões de autoajuda e duas sessões de terapia por semana. Nos finais de semana, passo mais tempo com a família – afirma Bass.

Resgate da autoestima

O cavaleiro recuperou o material de equitação perdido, como sela e cabeçadas. Ainda não conseguiu comprar um novo carro, mas faz planos de adquirir um em breve. É responsável por cuidar de cerca de 20 cavalos e dá lições de equitação a 15 alunos. Mora com a mãe e o padrasto e pretende continuar assim até se sentir novamente seguro para viver sozinho.

– É um processo lento, e o apoio da família é fundamental. Sozinho, a gente não consegue nada – admite, lembrando que a dependência é uma doença crônica e sujeita a recaídas.

Mesmo aconselhado por amigos a esconder sua história no anonimato, Bass diz que faz questão de servir de exemplo positivo em um ambiente onde costumam prevalecer os relatos de tragédias irreversíveis. Tem um projeto, em parceria com uma psicóloga, de levar a equoterapia para dentro das comunidades de tratamento de dependentes químicos a fim de contribuir no processo de reabilitação. Mas é no próximo domingo que o atleta pretende dar um passo definitivo rumo à reabilitação.

A partir das 9h, quando montar na égua Lasina para retomar as competições após dois anos entregues ao vício, na hípica da Capital, pretende dar um salto simbólico sobre o crack – a barreira diante da qual milhares de vítimas desabam a cada ano, mas que o campeão gaúcho de hipismo está determinado a deixar para trás.

– Voltar a competir será uma emoção imensa, e um resgate da autoestima. Viver tudo isso de cara limpa é maravilhoso – garante.
Fonte:Zero Hora/ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)