sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Crack: chances de recuperação

“A desintoxicação, apenas, tem seu papel, no sentido de reduzir os danos a que o usuário está sujeito, mas é uma contribuição modesta”, avaliou José Manoel Bertolote que é consultor da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), ao falar sobre as reais chances de recuperação de dependentes de crack, avalia a importância da reinserção social e mostra porque é preciso mais que a desintoxicação para reduzir o índice de recaídas. O pesquisador, que também foi professor colaborador do Departamento de Neurologia, Psicologia e Psiquiatria da Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp), ocupou, durante 20 anos, o cargo de coordenador da equipe de transtornos mentais e neurológicos da Organização Mundial de Saúde (OMS) em Genebra. Segundo ele, o "sucesso de qualquer tipo de tratamento para uma dependência química passa, em grande parte, pela vontade do usuário de se manter afastado da droga (abstinência). Sem isso, nenhuma proposta terapêutica funcionará". Acompanhe a entrevista: Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: É possível abandonar a dependência de crack por conta própria, sem ajuda especializada? Teoricamente, sim. Porém, isso depende de vários fatores, entre os quais o grau de dependência e o nível de apoio social e familiar que o dependente possui. O sucesso de qualquer tipo de tratamento para uma dependência química passa, em grande parte, pela vontade do usuário de se manter afastado da droga (abstinência). Sem isso, nenhuma proposta terapêutica funcionará. Entretanto, há que se considerar o fenômeno da comorbidade, ou seja, a coexistência no mesmo indivíduo de outros transtornos mentais (por exemplo, depressão, psicoses, dependências de álcool, transtornos graves de personalidade etc.) que, caso não sejam tratados concomitantemente, podem comprometer a recuperação Um diagnóstico adequado permitirá traçar uma abordagem terapêutica mais eficaz, que esteja ajustada às características do paciente. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: É possível levar uma vida normal após o tratamento? O dependente pode freqüentar os mesmos locais que freqüentava antes e manter o mesmo círculo de amizades, por exemplo? Sim. Se o "antes" se referir a antes do uso do crack, certamente. Entretanto, freqüentar os mesmos ambientes e manter contato com as mesmas pessoas com quem usava o crack inviabiliza a recuperação. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Como a família deve proceder antes, durante e ao término do tratamento? Como agir em situações sociais, como festas familiares? A família deve estar ao lado do usuário, apoiando-o - sem se submeter a chantagens e tampouco submetê-lo a pressões indevidas e ameaças infundadas. A firmeza e coerência de atitudes dos familiares são essenciais. Mas não existe uma fórmula que se possa oferecer para um usuário de crack ou para a família. Tirar o indivíduo das companhias e do ambiente é uma solução, mas não a única. Se o dependente permanece em sua residência durante o tratamento dificilmente será possível afastar-se totalmente, pois vai precisar muito acompanhamento da família, muito monitoramento, o que nem sempre é possível. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: O dependente em tratamento pode fazer uso moderado de álcool, em situações sociais? Em princípio, sim, desde que não coexista também uma síndrome de dependência do álcool. Desde que ele não seja dependente de álcool, ele consegue tomar uma dose e parar por ali. Isso não leva necessariamente o indivíduo a usar crack. A questão é que grande parte dos usuários de crack é dependente ou usuário pesado de álcool Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Um dependente de crack consegue se recuperar completamente da dependência? Quais são as chances reais de sucesso do tratamento? A dependência envolve complexos mecanismos cerebrais, psicológicos e sociais. Com o tratamento adequado a cada caso, e em presença de uma real vontade de deixar de usar a droga, a recuperação é perfeitamente viável. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: O que fazer quando o dependente não quer parar de usar a droga e não aceita ajuda? Não se pode submeter ninguém a um tratamento involuntário, a menos que esteja intoxicado e representando uma ameaça e um risco para si mesmo e para os demais. Nestes casos pode-se conseguir uma ordem judicial de tratamento e, eventualmente, internação. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Qual a razão do alto índice de recaídas entre usuários de crack? Quais fatores ou situações levam o dependente em tratamento a recaídas, mesmo após a fase de desintoxicação? Não há estudos suficientes que permitam estimar as taxas de recaída entre usuários de crack, em geral, nem por tipos específicos de tratamento. O que se sabe é que a ausência de um sistema sosiossanitário articulado que responda às necessidades desses usuários pode contribuir para baixas taxas de sucesso terapêutico. A desintoxicação, apenas, tem seu papel, no sentido de reduzir os danos a que está sujeito o usuário, mas é uma contribuição modesta. Um sólido sistema de apoio médico, psiquiátrico, social e psicológico é essencial para o sucesso de um programa terapêutico, de reabilitação e reinserção social. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Como avaliar os resultados de um tratamento? Como saber se o usuário está recuperado da dependência? O resultado do tratamento do crack é baseado em dois critérios fundamentais: a abstinência da droga e o grau de reinserção social. Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas: Qual é o segredo, a chave do sucesso para uma superação real? A vontade de se afastar e permanecer afastado da droga, o apoio social (da família e dos amigos) e um bom sistema sócio-sanitário, que responda às reais necessidades do dependente.

A escalada do alcoolismo na terceira idade

Revista Exame Aposentadoria e solidão fazem idosos se socorrer no álcool. Mas não faltam histórias de superação O alcoolismo sempre foi um problema difícil de ser enfrentado em todas as fases, mas pesquisas revelam que na terceira idade as dificuldades se tornam ainda maiores. Para piorar, a dependência da bebida também vem aumentando nessa população. De acordo com a ABEAD (Associação Brasileira de Estudos do Álcool e Outras Drogas), as dificuldades nessa faixa etária começam no diagnóstico. Isso porque os sintomas do alcoolismo podem ser confundidos com outras doenças da idade, como demência, depressão e até a solidão, o que faz com que os médicos e a família demorem mais a detectá-los. Entre as causas do problema, está a aposentadoria, apontada nos estudos como um fator que empurra os idosos para as doses a mais. Foi assim com Luís Rodrigues. Ele conta que não conseguia ficar em casa quando se aposentou. Passou a brigar muito com a mulher e a se sentir sozinho. Para arrumar o que fazer, começou a frequentar o bar. “Eu bebia e me sentia mais calmo”, conta o aposentado. Quando percebeu, Luís estava deixando a família, os filhos e os amigos mais antigos para ficar com aqueles que o acompanhavam nos botecos. “Eu pensava que a bebida não me atrapalhava, que quem estava errado não era eu e sim os outros”, conta Luís. “O pior do alcoolismo é que vamos do estado de euforia para a depressão e não percebemos que estamos doentes.” Segundo Larriany Giglio, psiquiatra da Clínica Novo Mundo, os idosos são mais vulneráveis à bebida, pois o metabolismo é mais lento e o fígado, órgãoresponsável por processar o álcool, sofre uma redução com o passar dos anos. “Os idosos apresentam riscos maiores dos efeitos adversos, mesmo em doses relativamente baixas. Isso pode causar a conhecida hepatite alcoólica e a temida cirrose”, afirma a médica. Omar Jaluul, geriatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, chama atenção para o fato de os idosos, geralmente, tomarem remédios. “Misturar álcool com medicamentos é muito perigoso em qualquer idade e muito mais na avançada. Os riscos de depressão, hipertensão e perda de memória se tornam muito maiores.” Omar também diz que o idoso tende a ficar embriagado mais rapidamente, mesmo ao ingerir doses pequenas. “E eles bebem de forma muito rápida, sempre sozinhos, perdem o apetite e ficam muito mais irritados”, conta o especialista. “Comecei a beber como todo mundo. Bebia socialmente, mas com o tempo isso virou rotina e afetou a minha vida”, conta José Pereira, que está sem beber há dez anos. Omar Jaluul também diz que várias consequências do álcool são ainda mais graves para o idoso. “Há mais riscos de acidentes, inclusive de trânsito.” O especialista explica que o alcoolismo pode ser uma herança familiar mas, no caso dos mais velhos, a principal causa é, sem dúvida, de fundo psicológico. “O álcool funciona como tranquilizador para medos, ansiedades e frustrações”, afirma Omar. “Por isso, a abordagem psicológica e a terapia ocupacional são muito eficientes no tratamento. E, de todas as ajudas, o apoio da família é a mais importante.” A família também precisa de ajuda Além do alcoólatra, a família toda sofre e precisa de ajuda para entender o que se passa com o dependente e aprender a lidar com a situação. Para isso, foi criado o Grupo de Familiares AL-ANON (Grupo de Familiares dos Alcoólicos Anônimos). Funciona como o AA (Alcoólicos Anônimos), mas com reuniões entre pais, filhos, cônjuges, namorados e amigos próximos do viciado. Marisa Lopez, mulher de Luís Rodrigues, advogada, mãe de três filhos adultos, é uma das frequentadoras do AL-ANON. “Meu marido nunca foi agressivo, mas ele sumia, bebia muito e não admitia que estava doente. Dizia que era normal, sem perceber que aquilo estava afetando a nossa vida”, conta ela. “Por duas vezes, ele saiu de casa e foi morar com um amigo. Da última, há dez anos, desapareceu por dez dias. Quando o encontramos, ele estava péssimo. Eu e um dos nossos filhos o levamos para uma clínica. Foi lá que ele passou a frequentar as reuniões do AA e também me falaram do AL-ANON.” As reuniões do AA e do AL-ANON costumam acontecer simultaneamente, no mesmo local, o que possibilita a troca de experiências entre várias pessoas. “Um aprende com a experiência do outro. Foi importante entender que o alcoolismo não era um problema só da minha família.” A advogada também conta que as reuniões a ajudaram a retomar a vida social. “Quando o Luís começou a beber eu me afastei, preferi não sair mais de casa, fiquei com vergonha de mostrar nossa situação até para as pessoas das nossas famílias. Muita gente achava que ele fazia aquilo por querer e poderia parar quando quisesse. Foi difícil! No grupo, eu consegui a coragem de enfrentar a doença ao lado do Luís.” Os grupos têm o acompanhamento de profissionais da área da saúde e de voluntários. Marisa, depois de uma década ali, compartilha sua história com as famílias que vão chegando, na esperança de ajudá-las. “Posso mostrar a elas que o meu marido se recuperou”, conta. O AL–ANON e o AA são associações sem fins lucrativos e podem ser frequentadas sem custo. As reuniões acontecem em todo o Brasil e você pode ver o endereço mais próximo no site: http://alcoolicosanonimos.org.br Como funciona /Nas reuniões do AA e do AL-ANON , os presentes são convidados a contar para todos como conseguiram passar pelos problemas do alcoolismo. Como o vício é considerado incurável, eles começam dizendo que estão livres dele só por aquele dia – o lema mais importante do AA é: “não vou beber só por hoje” . As reuniões do AA e do AL-ANON acontecem em salas diferentes, para não deixar ninguém constrangido. A regra é: o que se ouve ali não se comenta em nenhum outro lugar.

terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Pesquisa aponta motivos pelos quais jovens optam por não usar ecstasy

Agência FAPESP – Os motivos que levam os jovens a consumir drogas como o ecstasy (metilenodioximetanfetamina) são bem conhecidos e entre eles se destacam a curiosidade, a busca por sensações de prazer e a influência de pessoas próximas. Mas para entender as razões pelas quais muitos optam por não usar ou por interromper o consumo da droga, pesquisadores do Departamento de Psicobiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) realizaram um estudo qualitativo com frequentadores de festas rave – apontadas em levantamentos anteriores como locais de fácil acesso a esse tipo de substância. “Nosso objetivo era entender quais são os freios que levam essas pessoas a optar por não usar a droga mesmo diante de uma oportunidade. Essas informações oferecem subsídios para programas de prevenção”, contou Ana Regina Noto, coordenadora da pesquisa apoiada pela FAPESP. Os resultados da investigação, feita com 53 jovens com média de idade de 26 anos, foram publicados em artigo na revista BMC Public Health, pertencente ao grupo BioMed Central. O trabalho foi realizado durante o mestrado de Maria Angélica de Castro Comis, que contou com Bolsa da FAPESP. Para selecionar os voluntários, os pesquisadores recorreram ao método conhecido como “bola de neve”, no qual um entrevistado indica outro possível participante com perfil adequado. Era critério de inclusão ter tido pelo menos uma oportunidade concreta de consumir a droga ou estar há um ano sem usar. A amostra foi dividida em três grupos. O de não usuários, composto por 23 entrevistados, compreendia aqueles que nunca haviam experimentado ecstasy. O grupo de usuários leves ou experimentais era composto por 12 jovens que usaram menos de cinco vezes na vida. Já os 18 voluntários que disseram ter usado cinco ou mais vezes, mas haviam parado há mais de um ano, foram considerados usuários moderados. “Os grupos de não usuários e de usuários experimentais alegaram motivações parecidas, que incluem o medo dos efeitos adversos e valores pessoais, sejam eles familiares ou religiosos, incompatíveis com o consumo dessa droga”, contou Noto. Já entre os usuários moderados o principal motivo para a interrupção do uso foi a experiência de complicações físicas, psicológicas ou sociais. Os problemas mais citados foram dores musculares, ranger de dentes, mal estar no dia seguinte, perda de memória e dificuldade de concentração. Segundo Noto, a droga atua como alucinógeno e estimulante e afeta diferentes sistemas de neurotransmissão no cérebro, como o serotonérgico, o dopaminérgico e o noradrenérgico. A gama de efeitos, portanto, é ampla. Entre os positivos há a melhora do humor e da percepção sensorial, euforia e inibição do cansaço. Entre os negativos estão arritmias cardíacas, hipertermia e aumento da pressão arterial – reações potencialmente fatais em pessoas suscetíveis a complicações cardiovasculares. “Como os usuários costumam passar noites muito agitadas após consumir a droga, é comum sentirem cansaço extremo nos dias seguintes, dificuldade de concentração e sensação de tristeza similar a de quadros depressivos. Em muitos casos, isso atrapalha o desempenho nos estudos ou no trabalho, sendo um dos motivos para que se interrompa o uso”, disse Noto. Comis, porém, ressaltou que a maioria dos usuários moderados afirmou que voltaria a usar a droga caso tivesse oportunidade. “Muitos pararam com o uso crônico pelo afastamento do contexto de uso, ou seja, houve mudanças no ciclo de vida, como término da faculdade ou casamento, que fez com que parassem de frequentar as festas”, disse. Esse dado, acrescentou, mostra a importância de se estruturar programas também voltados à redução de riscos e danos relacionados ao uso da droga. “Conhecendo o discurso dos usuários, podemos pensar numa proposta de intervenção mais interessante, seja para a prevenção ou para a redução de danos. Se a gente chega com algo pronto fica mais difícil estabelecer um diálogo ético e flexível”, disse Comis. Para Noto, saber as diferentes motivações que levam uma pessoa a nunca usar drogas ou a experimentar e interromper o uso permite planejar intervenções individualizadas e mais eficazes. “Já que mesmo vivenciando complicações esses usuários não descartam voltar a usar a droga, temos de usar todas as possibilidades de intervenção. A prevenção é uma delas, informando as pessoas sobre os riscos nos contextos em que usam a substância. A redução de riscos e danos é outra, treinando pessoas que estão nas raves para lidar com eventuais problemas que possam surgir”, disse Noto. Novos contextos Outro dado novo revelado pela pesquisa é que o uso de ecstasy não está mais limitado ao cenário da música eletrônica na cidade de São Paulo. “Pudemos perceber entre os voluntários que também é comum hoje o uso em micaretas, rodeios, churrascos e até festas de casamento e formaturas”, contou Comis. De maneira geral, segundo dados recentes da Organização das Nações Unidas (ONU), o consumo de drogas sintéticas aumentou em toda a América Latina nos últimos anos. “Também cresceu a proporção de comprimidos contaminados, elevando os riscos de efeitos adversos”, disse. Em muitos casos as pílulas de ecstasy vêm misturadas com outros estimulantes, entre eles vermífugos para uso animal. “Há comprimidos misturados com ácido acetilsalicílico, a aspirina, que pode causar reações graves em pessoas alérgicas”, alertou Comis. Em 2010, um estudo realizado na Universidade de São Paulo (USP) com 12,7 mil universitários de todo o Brasil apontou que 7,5% dos entrevistados já haviam consumido ecstasy pelo menos uma vez na vida, sendo que 3,1% o fizeram nos últimos 12 meses e 1,9%, nos últimos 30 dias.