quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Novas drogas sintéticas colocam autoridades em alerta no Estado

Zero Hora Com variação de fórmulas, elas passam ilesas pela legislação e entram e saem do país com facilidade A cada três dias uma nova droga é descoberta no mundo. Elas são pequenas e se confundem com remédios inofensivos, como os analgésicos. Entram e saem do país com facilidade e circulam em festas de alto padrão. Com tantas variações em suas fórmulas, passam ilesas pela legislação brasileira. E é por embaralharem a percepção da polícia que as drogas sintéticas colocam agora o Estado em alerta: o número de apreensões de comprimidos não-identificados aumentou três vezes de janeiro a setembro de 2013, comparado com todo o ano passado. Das 75 amostras de apreensões supostamente de ecstasy enviadas para análise do Instituto-geral de Perícias (IGP), neste ano, 30% deram negativo para esta substância e positivo para outras, o que também ocorreu com metade das 25 doses de LSD. Conhecidas como "designer drugs", estes novos tóxicos são desenvolvidos em laboratório à base de anfetamina e metanfetamina e custam cinco vezes mais do que a maconha. — Aquilo que antes era uma forma de apresentação característica do LSD agora também aparece impregnado com DOB (brolamfetamina), substância de uso proscrito no Brasil. Os comprimidos, que antes eram característicos de ecstasy, também têm surgido com outras drogas, sozinhas ou uma combinação entre elas, tais como ketamina — detalha a farmacêutica Paulini Braun Wegner, chefe-substituta da Divisão de Química Forense do IGP. Apreensões no Salgado Filho ainda são incomuns, diz PF No Estado, uma unidade para tratar dependentes de drogas sintéticas deve ser lançada no Hospital de Clínicas de Porto Alegre ao longo de 2014. A necessidade surgiu após uma pesquisa feita entre 2010 e 2011 constatar que mais de 60% dos entrevistados no Clínicas, usuários de ecstasy ou LSD, sofriam de estresse pós-traumático ligado a casos de estupros. Apesar de o Brasil não aparecer entre países onde mais circulam as drogas modificadas em laboratório, como ocorre na Europa, o governo federal pretende criar, até o ano que vem, um sistema de alerta rápido para o ingresso de novas substâncias entorpecentes no país. A ideia é aumentar o rigor frente à comercialização, já que as fórmulas químicas destas substâncias são usadas em outras áreas, como medicina, veterinária e agropecuária, e o tráfico não se dá nas esquinas como ocorre com os entorpecentes tradicionais. Luis Fernando Martins Oliveira atuou no Departamento Estadual de Investigações do Narcotráfico (Denarc) por oito anos e diz que essas drogas podem estar em maior quantidade do que se pensa pela dificuldade na repressão: — Não são pessoas que fazem do tráfico a sua sobrevivência. Nos últimos três anos, o diretor do (Denarc), Heliomar Franco, viu um aumento de 47% das apreensões de entorpecentes como cocaína, maconha e crack, o que explica o foco das investigações: — As outras drogas, pelo alto custo, ficam reduzidas a um pequeno nicho socioeconômico. Elas também não causam a lesividade social do crack e da cocaína, que induzem ao crime — diz Franco, alertando que a principal rota dos produtos tem origem na Holanda e passa por Santa Catarina até chegar ao Estado. Apreensões de drogas trazidas do exterior, porém, são incomuns. Nenhuma droga sintética foi apreendida no Aeroporto Salgado Filho. — Temos treinamento, mas é claro que é mais difícil de identificar o comprimido — revela o delegado José Antonio Dornelles de Oliveira, chefe do Núcleo de Polícia Aeroportuária da Polícia Federal. Hospital de Clínicas terá ambulatório para viciados O Rio Grande do Sul pode ser o primeiro Estado brasileiro a ter um ambulatório para tratar dependentes de drogas sintéticas, como ecstasy, LSD e suas variações. Está em andamento um projeto do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas de Porto Alegre para que, até 2014, o espaço possa receber pacientes. A psicóloga Lysa Remy, pesquisadora do Centro, passou um mês em Londres, em setembro de 2012, para conhecer o serviço de uma clínica — chamada Club Drug Clinic — e adaptá-la à realidade gaúcha. O projeto conta com a parceria do Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) para identificar o tipo exato de droga consumida, o que deve ampliar também o conhecimento a respeito destas modificações químicas que circulam no Estado. A ideia surgiu depois que um estudo foi realizado com 240 usuários de ecstasy e LSD entre 2010 e 2011 no Hospital de Clínicas. — Não se sabe a prevalência do uso na nossa população jovem, mas se sabe que o grupo de usuários tem prejuízos graves — conta Lysa. A pesquisa revelou tratar-se de um grupo muito vulnerável: 60% apresentaram estresse pós-traumático. — Foi uma surpresa. Percebemos que eles relatavam alguma experiência de abuso sexual, o que é explicado pelo conceito do ecstasy, conhecido como a "droga do amor" — disse Lysa. Para tratar dos efeitos físicos e emocionais, além da desintoxicação, será necessária uma equipe de 10 profissionais altamente treinados. Rede rápida de comunicação Preocupado com um possível aumento de circulação de novas drogas no Brasil, o secretário nacional de Políticas Antidrogas do Ministério da Justiça, Vitore André Zílio Maximiano, visitou o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência para conhecer o sistema de alerta rápido e se inspirar. A ideia é criar uma rede rápida de comunicação: sempre que houver a apreensão de uma substância que não está relacionada na portaria da 344 da Anvisa, que estabelece as drogas proibidas no país pelo nome do princípio ativo, e que a polícia local não tenha conseguido identificar, uma amostra deve ser enviada à Polícia Federal, em Brasília, para averiguação. — A droga sintética, como é manufaturada, passa por processo químico muito sofisticado e, por isto, exige uma análise laboratorial ainda mais apurada para identificá-la. Investiremos em tecnologia para que esta investigação seja feita com rapidez — diz Maximiano. Caso a análise farmacológica identifique elementos que possam causar dependência física ou psíquica, a Anvisa poderá incluí-la na portaria. DESCONHECIDAS E PERIGOSAS — Cápsula do vento: conhecida por conter a brolanfetamina (DOB), é vendida geralmente em cápsulas gelatinosas transparentes. No Estado, foram analisadas apenas na forma de micropontos de papel rígido, semelhantes ao LSD. Seu efeito alucinógeno leva mais tempo para se iniciar, o que estimula doses maiores. — Sucesso: espécie de lança-perfume de segunda linha, é feito à base de gás freon (usado em refrigeradores). A sensação inicial é de ansiedade instantânea e de curta duração. — Special Key: cápsulas ou comprimidos feitos à base de analgésico líquido para cavalo. Para o delegado Heliomar Franco, ela tem um dos efeitos mais preocupantes, pois provoca paralisia corporal, seguida de sensação de viagem fora do corpo e amnésia. — Crystal ou ice: à base de metanfetamina, é muito usada nos Estados Unidos e, aos poucos, está chegando ao Brasil. Com alto potencial lesivo à saúde, deixa os usuários viciados em pouco tempo. — Falsa heroína: em 2010, o delegado Luís Fernando Martins Oliveira, que atuava no Denarc, pensou estar diante da primeira apreensão de heroína no Estado. Descobriu uma jovem de classe média que enviava sacos plásticos contendo uma substância parecida com grão de areia para São Paulo. Análise laboratorial mostrou se tratar de dimetiltriptamina (DMT) — produto extraído da raiz da planta ayahuasca, utilizada em ritos da seita do Santo Daime. Além de ataques de pânico, a droga pode causar danos irreversíveis ao cérebro. OS RISCOS DOS NOVOS ENTORPECENTES — Podem matar, seja pelo efeito farmacológico, seja pelo estado mental alterado que induzem. — São projetadas para que tenham o máximo de efeitos alucinógenos com o mínimo de efeitos colaterais. Pequenas modificações na sua estrutura já caracterizam uma droga diferente, o que dificulta a fiscalização. — Muitas pessoas chegam às emergências e não recebem tratamento adequado porque médicos não conseguem identificar que substância foi utilizada. — Conforme a pesquisadora do Centro de Pesquisa em Álcool e Drogas do Hospital de Clínicas Lysa Remy, mortes estão ocorrendo em função destas drogas e poucas são documentadas.