quinta-feira, 5 de julho de 2012

Crack não dá trégua às crianças

Filhos de pais dependentes químicos são entregues à própria sorte. Ou ficam sob a tutela de alguém da família, ou se veem encaminhados para abrigos e até adoção. Os efeitos devastadores do crack não dão trégua nem aos recém-nascidos. Os filhos de pais dependentes de uma das drogas mais destruidoras que existem ficam entregues à própria sorte. Alguns se veem sob a tutela de alguém da família, outros acabam sendo encaminhados para abrigos e até para a adoção. No Paraná, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), existem quase três mil crianças em 131 abrigos. A estimativa é de que mais de 50% destas crianças sejam filhos de pais dependentes químicos. “A maior parte está relacionada ao uso de drogas, especialmente o crack”, diz o presidente do Conselho Estadual Antidrogas, Carlos Alberto Peixoto. Para se chegar a um número concreto sobre o número de crianças abandonadas por causa do crack será realizado um levantamento em parceria com as universidades estaduais. O resultado deve ser divulgado até o final do próximo mês. “Com isso, teremos capacidade para traçar planos de ações mais eficazes. Nossa ideia é ter uma central de tratamento à mulher dependente, especialmente às gestantes”, informa. Herança trágica Enquanto projetos sobre o assunto são analisados, as crianças sentem de perto a dura realidade provocada pelo vício nas drogas. A herança de uma família desestabilizada pelo crack pode culminar em um final trágico. Na Casa do Acolhimento Pequeno Cidadão, localizado no Jardim Social, em Curitiba, dois recém-nascidos morreram recentemente pelo fato de as mães terem feito uso do crack durante a gestação. Ambos nasceram com hidrocefalia (água no cérebro), ficaram um mês internados em unidades de terapia intensiva e, posteriormente, foram encaminhados à instituição. Apesar dos esforços no tratamento, um morreu após 70 dias de vida e outro depois de 94 dias. “Estes foram os casos mais graves provocados pelo crack que recebemos”, afirma a diretora do abrigo, Sônia Scutlarek Ferreira. Por outro lado, há crianças que, apesar de sofrerem com os efeitos colaterais do entorpecente – mesmo sem nunca o ter utilizado –, conseguem a duras penas reverter o processo. Um bebê de um ano e nove meses, que ingressou no abrigo em estado grave, já está sob tutela temporária de uma funcionária da própria instituição. O processo de adoção se encontra em andamento. Atendimento Sônia explica que ao receber um bebê, cuja mãe é dependente química, é necessário realizar um tratamento médico específico. “A gente leva para unidades de saúde e hospitais para que o atendimento aconteça”, explica. Os pais, cujas crianças estão abrigadas por determinação judicial, podem visitar os filhos todo domingo. Segundo a diretora do abrigo, a maioria das mães, que deram à luz a estas crianças, encontra-se internadas para livrar-se da droga. “A grande maioria tem chance de voltar à guarda da mãe depois que o tratamento for concluído. Claro que, para isso, é realizado um monitoramento de como está a situação da família e como a criança está sendo tratada”, explica Sônia. Além de atender filhos de dependentes químicos, a instituição também abriga crianças até 12 anos que sofreram abusos sexuais ou foram abandonadas pela família por outras razões. Curitiba possui oito instituições ligadas à Fundação de Ação Social (FAS) que realizam trabalho semelhante. Tratamento ajuda a evitar a destituição Por determinação legal, hospitais e maternidades devem comunicar à Justiça quando identificarem que as mães são dependentes químicas. Do hospital, estes recém-nascidos vão direto para uma instituição de acolhimento, onde permanecem até o Poder Judiciário decidir sobre a guarda. No abrigo de proteção, elas ficam no máximo dois anos, de acordo com o determinado pela lei, exceto se houver alguma recomendação judicial. O tratamento dos pais dependentes, principalmente da mãe, é fator determinante para que o resultado deste processo não seja a destituição do poder familiar. O procurador de Justiça Olympio de Sá Sotto Maior Neto, um dos relatores do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ressalta que o próprio ECA, no artigo 19, determina que toda criança tem o direito de ser criada no seio familiar, em ambiente livre de pessoas dependentes em substâncias químicas. “Não tenho dúvidas que é necessário oferecer um tratamento à mãe, além de políticas públicas de inserção ao mercado de trabalho”, afirma. O presidente do Conselho Estadual Antidrogas, Carlos Alberto Peixoto, defende que sejam realizadas medidas para evitar a destituição do poder familiar. “Uma mãe acometida pelo vício não tem condições de criar um filho. Mas ela precisa de tratamento para cuidar da criança de forma responsável. Muitas vezes, após se tratar, é possível conseguir a guarda de seu filho”, ressalta. Em casos assim, a guarda da criança é suspensa em caráter temporário até a mãe se recuperar do vício. Neste período, o bebê fica em algum abrigo. A destituição do poder familiar passa a ser a última possibilidade de decisão a ser tomada. “Sempre devemos trabalhar para a manutenção dos laços familiares. Se todas as possibilidades com os entes familiares forem esgotados, daí se coloca para adoção”, explica o procurador. Ou seja, caso seja constatado que a mãe não obteve êxito na recuperação da dependência química e nenhum outro familiar possa ficar com a criança, ela será encaminhada para adoção. De acordo com Maior Neto, é recomendável que a cada seis meses seja realizada uma avaliação da possibilidade de o bebê ser “devolvido” à família. “Se em seis meses não há uma visita familiar ao bebê é possível acontecer a destituição”, alerta. Consequências Efeitos da droga são ainda piores para bebê Se o consumo de cigarro e o uso de bebidas alcoólicas na gestação comprometem o desenvolvimento dos bebês, a situação é ainda pior quando a substância em questão é o crack. Além do risco de abortos espontâneos e descolamento de placenta, há chances de óbito do bebê logo após o nascimento. A médica Marina Barros, membro da Sociedade Brasileira de Pediatria, explica que o consumo de crack na gestação provoca maior frequência de recém-nascidos prematuros e de asfixia pós-parto, com a necessidade de maior número de manobras de reanimação. “Malformações congênitas também estão associadas ao consumo de crack durante a gravidez”, afirma. Segundo ela, são vários os estudos que mostram a associação entre o consumo de crack na gestação e o baixo peso – inferior a 2,5 mil gramas –, além dos bebês apresentarem menores comprimentos e perímetros cefálicos. “Os filhos de mães usuárias de crack apresentam com maior frequência a hipertensão pulmonar, doença inflamatória do trato gastrintestinal, parada respiratória e síndrome da morte súbita”, alerta Marina. Comportamento A médica afirma que bebês de mães usuárias de crack não nascem viciados, mas podem apresentar alterações comportamentais. “Apresentam menor capacidade de controle do estado de sono, maior dificuldade em despertar, maior instabilidade de estado, menor capacidade de habituação a estímulos adversos, menor capacidade de se orientar a estímulos externos, pior comportamento interativo, pior desempenho motor, maior irritabilidade, além de apresentarem mais tremores”, detalha. Fonte: Gazeta do Povo – Diego Antonelli