terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

60% dos internos em clínicas terapêuticas são dependentes de crack

Segundo pesquisa realizada pelo Conselho Antidrogas, comunidades locais atendem homens na faixa dos 14 aos 25 anos.

Uma pesquisa inédita realizada pelo Conselho Municipal Antidrogas de Araraquara (Comad) mostra que 60% dos internos atendidos em comunidades terapêuticas da cidade em dezembro do ano passado eram dependentes de crack.

A pesquisa traçou um perfil completo das sete comunidades terapêuticas em atividade na cidade atualmente, do ponto de vista da organização da instituição e do perfil dos jovens em tratamento.

Ela mostra outros dados curiosos sobre os dependentes químicos em recuperação: 48% deles estão na faixa etária dos 14 aos 25 anos, 69% são de cidades da região e 31% residem em Araraquara.

As sete comunidades têm, juntas, 191 vagas. Dessas, 163 estavam ocupadas em dezembro do ano passado. Outra curiosidade do relatório é que 100% da ocupação se dá por internos do sexo masculino. "A dificuldade de manter mulheres internadas se dá pela questão da maternidade e da prostituição, comuns nas dependentes de drogas", explica Marcio William Servino, presidente da Comad e realizador da pesquisa.

O período de internação dos métodos utilizados em cada clínica também foi avaliado. A maioria oferece tratamento de nove meses e 15 dias (86%) com períodos de ressocialização a partir do sexto mês, enquanto 14% delas usam tratamentos que promovem reclusão de um (desintoxicação) a oito meses.
A pesquisa também mostra que a maioria das clínicas se utiliza de vínculos com a religiosidade na recuperação do adicto (71%) e todas mantêm parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS), ou seja, recebem pessoas encaminhadas pela rede pública de saúde.

Valores

Embora uma parte dos internos seja atendida nas clínicas com subsídio do poder público - ou porque está em situação de rua ou porque não tem condições de arcar com os custos -, todas as clínicas são particulares. Em média, as famílias dispõem de um salário mínimo por mês - o valor de R$ 540 é cobrado em 57% das clínicas, mas em algumas o custo pode chegar a R$ 700, mais uma cesta básica (43%).

Hoje, as chamadas "vagas sociais", de tratamento gratuito, correspondem a 27 lugares e estão todas ocupadas. As entidades também aceitam pacientes encaminhados pela Vara da Infância e Juventude (86%), contra apenas 14% que não aceitam.

De acordo com Servino, o Comad aplicou 25 perguntas às entidades com o objetivo de identificar as ações desenvolvidas pelas comunidades terapêuticas, conhecer a estrutura existente e o atendimento dispensado aos dependentes de substância psicoativas, assim como identificar o tratamento dispensado aos dependentes.

As visitas foram realizadas entre novembro e dezembro do ano passado nas comunidades Associação Amigos da Vida, Caminho de Luz, Luz a Vida, Santa Luzia, Recanto do Senhor, Icon - Associação Promocional Imaculada Conceição, Casa de Israel, e, entre as questões apresentadas, estavam o número total de vagas, perfil e idade dos usuários e situação legal das entidades, entre outras.

Comunidade AAVida utiliza laborterapia e religiosidade no tratamento

O jovem R.L. completou apenas 13 anos na semana passada. Mas sua festa de aniversário foi realizada não na presença da família, mas dentro da Associação Amigos da Vida (AAVida), em Araraquara, onde o adolescente se recupera do vício do crack.

Ele tem uma história comum e trágica. Veio da pequena Santa Lúcia, foi abandonado pela mãe ainda na maternidade e criado pelo pai alcoólico e pela avó. Após a morte do pai, caiu no vício. Foi levado pela Vara da Infância e Juventude para o tratamento na clínica.

Ele divide o espaço na Associação Amigos da Vida com outros 23 internos, de 13 a 44 anos. Entre todos os jovens, apenas um é viciado em álcool; os outros são dependentes de crack. Quatro deles são de outras cidades e 20 são de Araraquara.

Sem fins lucrativos, a entidade trabalha com os 12 passos usados em tratamento de alcoolismo e com um método chamado Minessota, desenvolvido nos Estados Unidos, e que prevê um internação de nove meses e 15 dias, sem uso de medicamento, com uma rotina com horários e regras, além de terapias ocupacionais.

Num terreno cedido pela Prefeitura, a entidade construiu uma ampla casa com refeitório, quartos, banheiros, biblioteca, salão para palestras, sala de computador, horta, pomar e até um galinheiro. "Acreditamos na laborterapia", explica a psicóloga Nilsa Boeno de Oliveira Dias. De acordo com ela, a espiritualidade também é trabalhada no local - a cada dia da semana, representante de uma religião realiza um trabalho com os jovens.

A psicóloga conta que a maioria dos dependentes sofre de doenças psicossomáticas, como esquizofrenia e distúrbios de ansiedade. "A droga mexe com a cabeça, o corpo e o espírito", diz. Além disso, existe um grande número de recaídas entre os doentes. Apenas um interno da clínica, por exemplo, já voltou 13 vezes para o tratamento. "É um sofrimento para o doente e para a família", avalia.

Ela acredita que existem três fases no uso da droga: a experimentação, o abuso e a dependência física. Os que chegam à clínica estão na terceira fase. Para se chegar ao vício, segundo a terapeuta, existe o fator genético, a personalidade frágil do usuário e o meio "facilitador". "Depois que se está nele, a dependência física fica difícil de controlar."

Para piorar a situação, a maioria dos dependentes usa os chamados vícios "cruzados". "O crack agita e, para baixar a adrenalina, fuma-se maconha ou bebe-se álcool", explica. Um vício leva ao outro, até chegar a uma situação insuportável. "A família adoece junto. Atendo às mães e vejo no dia a dia o quanto estão mal informadas sobre o assunto", conta.

Clínicas também precisam de atendimento

Na pesquisa realizada pelo Conselho Municipal Antidrogas de Araraquara (Comad) no ano passado, constatou-se também que as entidades precisam de ajuda. Segundo o relatório, a maioria das comunidades não está vinculada a um órgão público e não tem documentação completa, como alvará de funcionamento, Vigilância Sanitária e Corpo de Bombeiros. Das sete comunidades, apenas três têm documentação completa. "O objetivo da pesquisa foi fazer um levantamento das condições de funcionamento das entidades e, assim, poder ajudá-las", justifica Marcio William Servino, presidente do Comad, lembrando que a falta de documentação implica na impossibilidade de captar recursos junto a órgãos públicos, como a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad).

A maioria das clínicas também precisa se adequar às normas estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária com relação a tamanho e número de quartos, banheiros e quantidade de pessoas que ocupam o lugar.

De acordo com Servino, a meta do Comad para este ano é regularizar a situação desses locais. "Existe muita quantidade, mas sem qualidade", atesta, e lamenta a falta de políticas públicas para prevenir o problema. "Em Araraquara existe apenas atenção ao dependente, a prevenção é quase inexistente", critica. Ele avalia que o programa municipal está bem estruturado, mas está assistido apenas pela Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social e muito pouco pela de Saúde.
Fonte:ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)