Ele tinha 13 anos quando tomou o primeiro porre. “Foi numa festa da família. Há uma permissividade social de que em festa pode beber, de que é só uma batidinha, docinha. Só hoje sei que não pode nem isso”, conta a mãe de J., a dona de casa M. (nomes fictícios).
M. encarou o caso como fato isolado e passou alguns anos sem perceber alterações no comportamento do filho. “Mas aos 17 anos ele voltou a beber feio. Na verdade não sei se algum dia parou, porque a gente até ouve histórias de jovens levando bebida para a escola em garrafas de refrigerante.”
A mãe fez de tudo para ajudar o filho, colocou em escola pública, privada, pública de novo. “Ouvia dos professores que ele era um aluno brilhante, sempre teve boas notas, mas com tantas faltas e irresponsabilidade vieram as advertências, as chamadas à sala da diretoria e a reprovação.” J., que queria fazer gastronomia, depois turismo, administração e arquitetura, concluiu apenas o ensino médio - e no supletivo.
Aos 19 anos, trabalha, mas se envolveu com a maconha também. “É da turma da pichação, do skate. Acho que começou com a droga e o álcool para se enquadrar no grupo.” A mãe diz que o medo e a culpa a atormentam. “Meu segundo marido, não o pai de J., é alcoolista, está no Alcoólicos Anônimos e há cinco anos não bebe. Mas penso: será que ele influenciou meu filho, se não tivesse casado com ele, seria diferente? Se não tivesse mudado de escola teria sido melhor?” M. quer ver seu menino curado. “Minha esperança é que ele aceite ajuda, mas não tenho expectativa de que isso aconteça”, diz a dona de casa, que vive deixando folhetos do AA para o filho e sempre os encontra rasgados.
Os adolescentes ainda raramente são vistos numa reunião dos AA. Mas vem crescendo o número de jovens, com 20, 25 anos, à procura de ajuda nos grupos, segundo o coordenador de mídia da entidade na Grande São Paulo, Sílvio Magalhães. Antes, de acordo com ele, chegavam aos encontros na faixa dos 30 anos.
“E agora são pessoas muito jovens que começaram a beber cedo, aos 12, 13, 15 anos. O adolescente, nessa fase, ainda está bebendo sem a intenção de parar. Só vai procurar o AA mais tarde”, afirma o coordenador.
O Estado de São Paulo tem cerca de 400 grupos de AA, sendo 210 na Capital. “Os jovens entre 20 e 25 anos já representam entre 3% e 5% dos frequentadores. Um número que, há uns dez anos, não chegava a 1%.” Magalhães aponta a facilidade de acesso ao álcool como um dos principais fatores para essa mudança. No dia 19 de novembro entrou em vigor a Lei Antiálcool no Estado, justamente para apertar a fiscalização da venda de bebidas a menores de 18 anos e punir os comerciantes infratores.
“Mas não é só a compra fácil. Há a questão do comportamento: antes se bebia escondido, sozinho, agora os adolescentes se juntam para beber e consomem muito, muito mesmo de uma vez só.”
Binge
Fato comprovado por uma pesquisa divulgada no ano passado pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). O estudo, feito com 2.691 estudantes de escolas privadas entre 14 e 19 anos da capital paulista, mostrou alta incidência de uma prática chamada pelos americanos de binge drinking (a ingestão de pelo menos cinco doses de bebida alcoólica ou mais num mesmo evento).
Dos entrevistados, 34,5% relataram ter feito binge nos 30 dias que antecederam a pesquisa, divulgada em 2010. “Não são alcoolistas que bebem todos os dias. Pode ser uma vez por semana, até menos, mas quando se encontram para beber, consomem grandes quantidades”, afirma a pesquisadora do Cebrid, Zila Van Der Meer Sanchez.
Tolerância
Segundo a autora da pesquisa, quanto maior a renda, maior é o consumo também. “É uma questão cultural, uma sensação de onipotência, de que pode encher a cara e nada vai acontecer.” De acordo com Zila, a maior parte relatou que o primeiro consumo de álcool ocorreu em casa. “Às vezes incentivado ou tolerado pela família. Vale lembrar que fiscalização é importante, mas o papel familiar também é fundamental na prevenção do consumo de álcool por adolescentes.”
A pesquisadora ressalta que, quanto mais cedo o adolescente começa a beber, maior é a chance de ele se tornar dependente e maior é o risco dos episódios de binge. “Sob o efeito do binge – cinco latas de cerveja, cinco ices ou mais, por exemplo –, o adolescente pratica atividades de risco, como o sexo desprotegido ou a direção de veículos sem carteira, comportamentos que não teria se não estivesse com a percepção de risco diminuída pelo álcool.”
Timidez
A psiquiatra da infância e adolescência Jackeline Giusti, do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas, lembra que, para muitos, beber bastante antes da balada, ou para se firmar num grupo, tem se tornado uma prática comum. “Principalmente para os mais tímidos a bebida dá coragem para dançar, chegar numa menina”, explica Jackeline.
Ela ressalta que a primeira experimentação de bebidas alcoólicas tem acontecido muito cedo, em torno de 11 ou 12 anos. “É um organismo em desenvolvimento, podem ocorrer problemas no sistema nervoso central pelo consumo do álcool, um déficit cognitivo. E, além do aspecto físico, prejudica o desenvolvimento social também”, afirma a psiquiatra.
Segundo a especialista, é na adolescência que rapazes e garotas experimentam os grupos, para ver onde se encaixam, experimentam para ter as próprias opiniões, escolher uma profissão, por exemplo. “Se o álcool é experimentado nessa fase, e eles costumam consumir grandes quantidades, a percepção do grupo é outra, o adolescente deixa de participar de coisas legais, como os esportes, começa a repetir de ano, a não saber o que fazer na faculdade, não desenvolver relações afetivas mais sérias.”
Fiscalização
Jackeline acredita que medidas contra a venda de bebidas alcoólicas para menores de 18 anos são válidas. “É importante até para a conscientização, não só do comerciante, mas dos adolescentes, dos pais, da população em geral.” Ela alerta para a necessidade de os pais “darem o exemplo”. “Os filhos podem pensar, por exemplo, se meu pai me deixou beber um pouquinho em casa, por que não posso beber com meus amigos?”
Fonte:ABEAD(Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras Drogas)