quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Viciadas em viciados - Companheiras de dependentes químicos podem apresentar transtornos semelhantes às doenças de seus parceiros

Adriana, 35 anos, Fábia, 15, Romina, 33, Angélica, 29 estão em tratamento por causa da dependência química sem jamais terem tido algum problema pessoal com bebida alcoólica ou com qualquer outro tipo de droga.

Para que experimentem os dissabores de seus “vícios”, basta assistirem a seus maridos ou namorados exagerarem no álcool, sumirem dias para consumir crack e cocaína ou voltarem para casa maltrapilhos após horas e horas passadas no bar.

Na posição de espectadoras da dependência, estas mulheres, moças e senhoras, percebem que são prisioneiras de um transtorno tão exigente e avassalador como a doença de seus parceiros.

Na literatura especializada e nos consultórios clínicos, o comportamento delas é chamada de “codependência”, transtorno majoritariamente feminino que é despertado – em sua maioria – nas relações afetuosas com dependentes químicos.

Máscaras

“Ora a gente acha que é super-heroína, ora que é vítima da situação. Vamos desempenhando esta troca de papéis e, quando nos damos conta, se é que um dia nos damos conta, já não temos vida própria. Somos movidas a nos dedicar ao outro e, por um momento, gostamos disso”, afirma Romina Miranda Cerchiaro, em recuperação da sua codependência há sete anos.

Depois de pedir a separação do companheiro que tinha problemas com o álcool, Romina desconfiou de que apresentava sinais clássicos de dependência daquela situação que tanto dizia “não aguentar mais”.

“Percebi que se não procurasse ajuda iria continuar com o mesmo comportamento destrutivo, repetindo os mesmos erros, ainda que em outro relacionamento”, conta ela, que é jornalista, escritora e tornou-se pesquisadora da área de codependência.

A conscientização de sua situação fez com que Romina procurasse ajuda especializada e também tivesse vontade de ajudar outras mulheres que viviam dramas como o seu de forma anônima. Hoje, ela organiza grupos de autoajuda em todo o Brasil.

O Delas acompanhou uma destas reuniões, em uma noite chuvosa na capital paulista. No encontro, todas as outras participantes pediram sigilo sobre seu nome e sobrenome. Não era apenas a vergonha que motivava a insistência pelo anonimato. É que o processo para assumir a codependência é tão complexo como o enfrentado para admitir o vício. Existe, primeiro, a negação.

Romina Cerchiaro reconheceu que era codependente, estudou o assunto hoje ajuda outras mulheres

Não é amor?

Fábia, estudante do primeiro ano do ensino médio da capital paulista, garota de rosto infantil e de cabelos quase até a cintura, era exemplo de toda a complexidade que significa assumir o transtorno da codependência na reunião acompanhada pela reportagem. Aos 15 anos, ela poderia abandonar o primeiro namorado, em recuperação do vício de cocaína, e desfrutar de sua juventude em baladas e viagens para o Guarujá. “Mas eu simplesmente não consigo deixar para trás meu namorado, mesmo já tendo sido humilhada, traída e largada para escanteio tantas vezes”, diz.

Ao mesmo tempo em que admitia ser dependente daquela situação, a menina questionava se o seu comportamento não era “só resultado de seu amor”, dúvida que passa pela cabeça da maioria das companheiras e que serve de justificativa para não procurarem ajuda.

“O que tentamos reforçar em nossos encontros é que o sentimento serve de muleta para o comportamento destrutivo”, explica Romina. Segundo ela, não é raro as mulheres mais experientes, que já passaram por outros relacionamentos, se darem conta de que seus namorados antigos também eram dependentes químicos ou tinham algum outro tipo de compulsão, como vício em sexo ou no trabalho.

“Nosso objetivo não é fazer com que elas abandonem seus companheiros. Mas, sim, com que procurem ajuda para si”, acrescenta Romina.

Os especialistas acreditam que a codependência não traz apenas danos às mulheres mas também pode influenciar, negativamente, no processo de recuperação do dependente químico.

“Por isso, é tão importante que o acompanhamento psicológico seja estendido à família do dependente. É só desta forma que o apoio familiar traz efeitos positivos”, afirma Camilla Magalhães, diretora e pesquisadora do Centro de Informações sobre o Álcool (Cisa).

“Por vezes, quando esta mulher toma para si o controle da situação, ela pode cobrar resultados, tornar o processo mais angustiante ou ainda minimizar a dependência do seu companheiro, todas consequências perigosas no tratamento de ambos.”

“Tudo na minha vida”

Se para o dependente de álcool uma taça de vinho pode ser encarada como uma forte tentação – e além de um motivo para a recaída – para o comportamento destrutivo da copendência se manifestar, define a administradora de empresa Adriana, 35 anos, é só ouvir a frase “por favor, me ajuda”.

Adriana é mãe de um garoto de 16 anos e, apesar da rotina apertada de mais de 14 horas de trabalho diário, achou espaço para “uma coleção de relacionamentos destrutivos em série com homens compulsivos.” Os favores pedidos pelas pessoas com quem ela se relaciona são suficientes para a administradora largar tudo que está fazendo – emprego, diversão, sono, filho – e tentar ajudar quem solicitou sua ajuda.



Seria apenas uma postura nobre e altruísta se, entre estas solicitações, não estivessem pedidos que agravam não só a dependência do parceiro, como colocam a própria pele destas mulheres em risco, conforme conta a professora do ensino primário, Angélica, 29 anos.

Escutar que são a razão da vida de seus namorados torna mais difícil negar o pedido por dinheiro, mesmo eu sabendo, lá no fundo, que o destino das notas é a cocaína. “É isso que também me faz buscá-lo altas horas da madrugada na boca de fumo, sabendo que eu posso virar a presa do traficante e até morrer. Semana passada, meu coração ficou partido. Fui buscar meu namorado na biqueira (ponto de tráfico) e no caminho encontrei um aluno meu. Eu estava exposta e expus aquela criança. É a minha carreira, sabe? É difícil saber que não consigo pensar em mim".

Violência

Além das súplicas e juras de amor, existe outro “ingrediente” que agrava a situação da codependência: a violência. Uma pesquisa realizada no ano passado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) entrevistou 7 mil famílias de 108 cidades brasileiras e atestou que em quase metade (49,7%) dos núcleos familiares que vivenciaram agressões domésticas, o agressor estava embriagado.

Mas no caso dos dependentes químicos, daqueles que bebem de forma sistemática, existe uma situação pouco abordada. “Na maioria das vezes, é a ausência do álcool (ou de outra droga) que faz a violência se manifestar”, afirma a pesquisadora do Cisa, Camilla Magalhães.

“Oferecer a bebida ao parceiro pode significar trazer de volta a paz para casa. Já acompanhei várias companheiras de dependentes que declararam que o marido ou namorado fica mais romântico e bonzinho quando bebe (ou usa outra droga). Tudo isso pode interferir, ainda que de forma inconsciente, na relação dela com a abstinência dele.”

Tentando ser heroínas, elas podem acabar vilãs.

Os especialistas já estudaram a codependênica. A maior parte das portadoras, no entando, só porcura ajuda para o parceiro.

Só por hoje

Esta dificuldade em estabelecer limites, em se colocar em primeiro plano, em enxergar as próprias fraquezas escondidas na doença de seus amores faz com que as codependentes fiquem à margem de ajuda especializada, pesquisas e foco de atenção da família e dos amigos.

Os grupos de autoajuda acabam como único abrigo e um deles, os Codependentes Anônimos do Brasil (Coda), tem como lema o “só por hoje", tão salvador e utilizado na recuperação de alcoolistas e narcóticos. Nas reuniões anônimas dos codependentes, eles repetem ao final de cada encontro a frase: Só por hoje, eu sou a pessoa mais importante da minha vida”.

Romina Cerchiaro assimilou essa filosofia de vida que em nada tem relação com egoísmo. O desafio agora é encarar o frio na barriga, tão comum em cada nova paixão, como uma sensação natural. A paixão não precisa ser doença.

Como identificar

As perguntas a seguir servem para identificar possíveis padrões de codependência, definidos pelo Coda. Se você apresenta pelo menos dois deles, procure ajuda para conversar sobre isso.

Você se sente responsável por outra pessoa? Pelos sentimentos, pensamentos, necessidades, ações, escolhas, vontades, bem-estar e destino dela?
Você sente ansiedade, pena e culpa quando outras pessoas têm problemas?
Você se flagra constantemente dizendo "sim" quando quer dizer "não"?
Você vive tentando agradar os outros em vez de agradar a si?
Você vive tentando provar aos outros que é bom o suficiente? Você tem medo de errar?
Você vive buscando desesperadamente amor e aprovação? Você se sente inadequado?
Você tolera abuso para não perder o amor de outras pessoas?
Você sente vergonha da sua própria vida?
Você tem a tendência de repetir relacionamentos destrutivos?
Você se sente aprisionado em um relacionamento? Você tem medo de ficar só?
Você tem medo de expressar suas emoções de maneira aberta, honesta e apropriada?
Você acredita que se assim o fizer ninguém vai amá-lo?
O que você sente sobre mudar o seu comportamento? O que impede-lhe de mudar?
Você ignora os seus problemas ou finge que as circunstâncias não são tão ruins?
Você vive ajudando as pessoas a viverem? Acredita que elas não sabem viver sem você?
Tenta controlar eventos, situações e pessoas por meio de culpa, coação, ameaça, manipulação e conselhos, assegurando assim que as coisas aconteçam da maneira que você acha correta?
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